Em cerimônia com a presença do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB-PA), a unidade de elite da PM gritou, em coro: “Arranca a cabeça e deixa pendurada/É a Rotam patrulhando a noite inteira/pena de morte à moda brasileira”.
O evento, na última quarta-feira (31), ocorreu dois dias depois que um massacre no presídio de Altamira (830 km a sudoeste) ter deixado 58 mortos, dos quais 16 decapitados, em meio a uma disputa entre facções rivais. Outros quatro morreram durante a transferência para Belém, dentro de um caminhão.
Tratava-se de uma comemoração pelos 13 anos do Batalhão de Polícia Tática (BPOT), mais conhecido como Rotam, em Belém.
Com 290 policiais, eles são acionados em casos de rebeliões, assaltos com refém, grandes assaltos e combate ao narcotráfico.
Procurado pela reportagem da Folha, Helder Barbalho informou, via assessoria de imprensa, que “não vai se manifestar sobre este fato”.
O Pará atravessa uma crise de segurança pública, principalmente em Belém, onde milícias ligadas a policiais militares disputam território com facções criminosas. Em maio, uma chacina com 11 mortos foi planejada por quatro PMs, segundo investigação da Polícia Civil.
“A Constituição expressamente proíbe a pena de morte. Ver funcionários públicos não apenas negligenciando sua obrigação de proteger vidas humanas, mas de fato celebrando tamanha atrocidade é repugnante e uma demonstração ultrajante de total desrespeito pela vida humana. O governador do Pará e as autoridades em geral precisam denunciar fortemente essa atitude”, afirma Maria Laura Canineu, diretora do escritório da Human Rights Watch no Brasil.
“É completamente inadequado. Mostra uma polícia pouco profissional, que não tem preocupação técnica e promove a barbárie”, afirma o professor da FGV-SP Rafael Alcadipani, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“O Estado trata a segurança pública, um problema grave, como se fosse uma mera questão de matar e morrer”, diz Alcadipani. “Um governo aceitar que isso aconteça diante dele mostra que não tem comando. E, se tiver, é de uma polícia que promove a barbárie.”
Procurado pela reportagem da Folha, Helder Barbalho informou, via assessoria de imprensa que “não vai se manifestar sobre este fato”.
CINCO VEZES MAIS MORTES DE PRESOS
A crise que já deixou 62 presos paraenses mortos nesta semana (58 em motim no presídio de Altamira e outros quatro enquanto eram transferidos pelo governo para outras cidades) escancarou um sistema penitenciário frágil, com alto déficit de vagas e unidades em condições consideradas péssimas.
A violência no estado disparou desde o começo do século —dados do Ipea mostram que a taxa de assassinatos saltou de 13,42 homicídios por cada 100 mil habitantes no ano 2000 para 54,68 mortes por 100 mil pessoas em 2017 (último dado disponível).
Com a explosão da criminalidade, o governo do estado aumentou o investimento nesse período em seus presídios. Entre 2006 e 2019, o número de vagas saltou de 5.965 para 9.934, aumento de 67%.
Essa expansão não foi suficiente para suprir a demanda, no entanto. Em 2006, o estado registrava 7.787 pessoas presas. Em junho de 2019, o número era de 18.229: crescimento de 134%.
Acontece que entram mais presos do que saem a cada ano. Até junho, segundo o último relatório da Susipe (Superintendência do Sistema Penitenciário), 1.536 presos saíram das cadeias do Pará, enquanto 1.657 entraram.
O Pará é um dos estado onde, proporcionalmente, mais presos são assassinados dentro do sistema penitenciário. Em 2017, último dado disponível, o Infopen (sistema de estatísticas das prisões brasileiras) dava uma taxa de 21,8 óbitos criminosos para cada 10 mil presos no estado, atrás apenas de locais onde ocorreram grandes chacinas naquele ano (AM, RR e RN) e cinco vezes maior que a média brasileira. A taxa de São Paulo, para comparação, foi no mesmo ano de 0,4 óbitos criminosos para 100 mil habitantes.
Segundo dados do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), em 2018 houve 47 rebeliões e 1.053 fugas no Pará, o equivalente a 6% do total de presos. A taxa média do país foi de 3,2% no mesmo ano, similar à da região Norte (3,3%).
Os números ficaram mais altos por conta de uma fuga em massa que ocorreu no Complexo Penitenciário de Santa Izabel do Pará, na região metropolitana de Belém, em abril do ano passado, quando 22 pessoas morreram —16 presos, cinco criminosos que pretendiam resgatá-los e um agente prisional.
O complexo de Santa Izabel é considerado um dos mais problemáticos. Em junho, uma revista descobriu um túnel de 30 metros de comprimento e 7 de profundidade. Na semana passada, outra revista encontrou 13 celulares, 27 armas brancas e 20 armas artesanais. No mesmo dia da revista, 17 presos fugiram.