Um vidro de álcool gel e um caixa de máscaras estão sobre a mesa do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, desde que o surto de coronavírus mudou a rotina do planeta. No Palácio Guanabara, onde despacha, as portas passaram a ficar sempre abertas e reuniões foram transferidas para a área externa.
Primeiro a endurecer nas medidas de prevenção à Covid-19 , ele afirma que outras, até mais radicais, estão em estudo. A restrição do transporte de massa ao essencial e o confinamento domiciliar, com controle de circulação de pessoas nas ruas usando até QR Code, são algumas delas.
Na área econômica, ele analisa a suspensão por 60 dias de cobranças de contas de água, luz, gás e telefonia . Também quer postergar o primeiro pagamento do regime de recuperação — resta saber se o presidente Jair Bolsonaro vai aceitar. “Ninguém está satisfeito com o governo federal”, alfineta.
Como o Rio de Janeiro vai lidar com a crise se a situação fiscal do estado mesmo antes do coronavírus já era complicada?
O Rio tem duas grandes tragédias do ponto de vista econômico a caminho. Além do coronavírus, a partir de junho a queda do barril do petróleo vai atingir duramente o repasse de participações especiais e royalties. Em junho, já no próximo trimestre. Vamos sofrer severamente com isso.
Este ano o governo teria que pagar R$ 6 bilhões do acordo do Regime de Recuperação fiscal. No atual cenário, o senhor acha isso inviável?
Totalmente. Nós governadores estamos pedindo a suspensão do pagamento, por 12 meses, de todas as obrigações dos estados com o governo federal. Não há capacidade de investimento, e a economia está parada. Precisamos de ajuda para resolvermos o problema daqueles que estão ou ficarão desempregados e vão precisar comprar comida. Cheguei a fazer uma demanda inicial de R$ 50 bilhões para o governo federal ajudar todos os estados, mas era apenas uma ideia inicial. Não dá nem para o começo.
Qual o prognóstico para a situação do Rio se não receber ajuda?
Com a queda do preço do barril do petróleo, é provável que tenhamos um deficit além dos R$ 10 bilhões já previstos. Pelos nossos cálculos, seriam mais R$ 10 bilhões.
Além de pedir ajuda para a União, os governadores estão dispostos a cortar na própria carne?
Sim, a solução tem que ser nacional. O Congresso, os governos federal e estaduais têm que enfrentar juntos essa crise, sem querer fazer política.
O senhor pretende cortar remunerações e cargos comissionados se for necessário?
Todos os estados terão que tomar medidas de ajuste fiscal. Vamos ter que racionalizar o dinheiro da nação, que não pode ficar represado. Hoje existem R$ 200 bilhões em fundos constitucionais e mais de R$ 300 bilhões em reservas cambiais. Precisamos usar esses recursos senão várias empresas vão quebrar. Não estamos falando de uma crise de 30 dias. Estamos falando de uma crise de seis meses. Os Estados Unidos estão colocando US$ 1 trilhão na economia. Quanto o governo federal vai colocar?
Neste momento de crise, sua péssima relação com o presidente Jair Bolsonaro, que sequer o recebe em audiências, não atrapalha?
Olha, nenhum governador está satisfeito na relação com a União. Talvez três estejam. Não sei nem mais se Ronaldo Caiado (governador de Goiás aliado do presidente que criticou os atos do último domingo) está satisfeito. Mesmo assim, tenho tentado conversar com o governo federal, com o ministro Paulo Guedes e (Luiz Henrique) Mandetta. Infelizmente, sentimos que o governo federal não está apresentando propostas para a crise econômica.
O senhor já tomou algumas medidas para diminuir a circulação de pessoas no Rio. Pensa em outras ainda mais restritivas?
É bem provável que tenhamos que cortar os transportes. Somente poderão estar nas ruas pessoas autorizadas. Amanhã (hoje) devo ter mais uma reunião com Metrô e Supervia para debater o tema. Pode ser que haja uma decisão a partir de sexta (amanhã) justamente para evitar que no sábado e no domingo a população queira ir para à praia. Mas acho que já entenderam que a praia não é mais ambiente.
Mas a grande circulação de pessoas está ocorrendo ainda muito nos ônibus municipais na esfera do prefeito Marcelo Crivella…
Estou estudando uma medida jurídica para enviar para a Assembleia Legislativa do Rio para que o governo do estado possa tomar decisões em outras esferas. O prefeito Crivella tem se mostrado aberto ao diálogo, mas nem todos agem na mesma velocidade.
O senhor está acompanhando medidas de outros países para se inspirar? O confinamento, por exemplo?
Não descarto. Estamos avaliando medidas de restrição extrema à circulação de pessoas na rua. Só sai com autorização. Estou vendo com o secretário de Ciência e Tecnologia um aplicativo com um QR Code. Todo mundo tem celular, né?
O senhor pode lançar mão de poder de polícia?
Isso que nós estamos estudando agora. Mas, veja bem, temos poucos recursos humanos para enfrentar com punitivismo a desobediência às ordens sanitárias. Então o mais importante é conscientizar as pessoas. Quando você diz para a pessoa ficar em casa, o que ela vai pensar? “Tá, eu fico em casa, mas como vou comprar comida?”
E o que o seu governo pode fazer sobre isso?
Já estamos com estudo para adquirir dois milhões de cestas básicas. O próprio governo do estado vai distribuir. Considerando o cadastro que nós temos dos mais necessitados. Dar dinheiro, sou contra. Se faz isso, a pessoa vai ter que ir à rua.
Sabonete e álcool gel estarão nesta cesta?
Não foi ainda pensado nisso. Mas pode ser uma ideia que vou incluir.
Além de comida, as pessoas precisam pagar as contas…
Nós já estamos trabalhando nisso. Os bancos suspenderam por 60 dias o pagamento de boletos e nós devemos também adotar o mesmo caminho. Já pedi para a Cedae avaliar a suspensão por 60 dais. Ela tem dinheiro em caixa para suportar isso. Estamos falando de conta de água, luz, gás e telefone, que hoje também é essencial para a sobrevivência das pessoas. Já os tributos, estou avaliando. Evidentemente alguma coisa vai ter que ser feita. O comércio não vai faturar. Então não vai nem ter o que pagar.
Existe algum caso de contaminação no governo?
Ninguém está com sintoma.
O senhor mudou alguma conduta em seu protocolo pessoal ou de trabalho?
Minhas reuniões agora são lá fora, no jardim. Também estamos mantendo as portas abertas.
E essa caixa de máscara na mesa?
É para quando recebo pessoas que não sei a origem. Eu tenho me protegido, pois preciso continuar comandando o estado.
Como o senhor tem despachado com os secretários?
Estamos falando muito pelo celular. A Saúde mudou o gabinete para cá e a Educação também, para podermos interagir e tomar as medidas necessárias. Estamos, por exemplo, trabalhando no sistema de ensino à distância para o caso de as aulas não poderem ser retomadas em 30 dias.
E o impacto no sistema público de saúde?
Estamos nos preparando para ter 600 vagas, 300 até 15 de maio. Por enquanto não temos nenhum caso grave e a percepção é de que isso aconteça a partir do final da semana que vem, quando já teremos algo em torno de cem leitos.
E respiradores?
Vamos ter o suficiente dentro das medidas que nós tomamos.
O senhor acha que o sistema público de saúde está preparado?
Rede pública nenhuma está pronta para isso. Olha para a Itália, para os EUA… O Trump está imaginando 2 milhões e 200 mil mortos. O Ministério da Saúde falou que a preocupação deles é como fazer para enterrar os mortos. Se tivermos um número elevado, vamos ter que fazer um cemitério só para eles.