Ele estava em uma lanchonete e viu pessoas compartilhando as imagens. Ao olhar as cenas, viu a filha de 14 anos ser espancada e assassinada
Testemunhas confirmaram que não havia outras pessoas com as jovens no local do crime.
Tristeza e revolta marcaram o sepultamento de Raíssa Sotero Rezende, de 14 anos, realizado ontem, no Cemitério de Santo Amaro, Centro do Recife. A adolescente foi assassinada na praia de Maria Farinha, em Paulista, Região Metropolitana do Recife, na manhã da última terça-feira. A mãe da jovem estava inconsolável e amparada por familiares. Abalado, o pai da garota, que pediu para ter o nome preservado, disse que ficou sabendo da morte da filha em uma lanchonete, ao ver o vídeo do crime.
“Passei o dia inteiro na casa da minha mãe, mas não vimos nada. Minha mãe foi dormir e fui para a minha casa. Quando cheguei numa lanchonete para comer alguma coisa, as pessoas estavam compartilhando um vídeo. Eu perguntei o que era e falaram que duas meninas teriam matado alguém em Maria Farinha. Eu pedi para ver e não vi o rosto, mas vi o perfil e me deu um calafrio. Pedi para ver o rosto tive um choque. Era a minha filha apanhando”, descreveu, emocionado.
A adolescente foi torturada e assassinada por duas jovens de 15 anos, na beira mar. Uma delas, que era ex-namorada da vítima, filmou toda a ação, enquanto a outra espancava Raíssa e mergulhava a cabeça dela na água. Após as agressões, a garota foi esfaqueada. Uma das linhas de investigação da polícia aponta para um crime motivado por ciúmes.
Segundo familiares e amigos, Raíssa já vinha sofrendo ameaças da ex-namorada. O pai da vítima afirma que a filha demonstrava medo de se aproximar da adolescente, após o término do namoro. A vítima morava com o pai, no bairro do Cordeiro, mas se mudou para os Coelhos e trocou de escola para não conviver com a suspeita. Durante o relacionamento, Raíssa fugiu de casa, mas foi encontrada pelo pai depois de 20 dias.
O atual namorado da adolescente, que também pediu para não divulgar o nome, disse que se encontrou com ela horas antes do crime. “Ela passou no meu trabalho para ir à escola e pediu dinheiro para lanchar. Eu dei R$ 11. Eu estava com uma corrente no pescoço. Ela pediu e eu dei também. Ela olhou para mim e disse que me amava”, relatou. O rapaz disse que a partir das 9h tentou entrar em contato com a adolescente por telefone, mas não conseguiu mais falar com ela.
“À noite eu vi o vídeo. Uma barbaridade, uma crueldade o que fizeram. Ela não merecia isso. Era uma pessoa muito boa, alegre, tinha sonhos. Sempre falava para mim que queria ser policial. Todo dia eu botava na cabeça dela para terminar os estudos”, lembra o rapaz. Ele conta que Raíssa já havia sido agredida pela suspeita enquanto namoravam. “Ela tinha medo da menina porque batia nela com faca. Ela tinha várias cicatrizes na perna deixadas pela ex enquanto elas namoravam”, acrescentou.
De acordo com o delegado Álvaro Muniz, responsável pelas investigações, ainda nesta semana serão ouvidos familiares e amigos da vítima e das adolescentes que cometeram o crime. Testemunhas que presenciaram o final das agressões já prestaram depoimento e confirmam que não havia outras pessoas junto com as jovens. “A primeira informação que tivemos é que a vítima teria convivido há cerca de dois anos com uma das agressoras, que teria recebido mensagem da vítima para se encontrar na terça-feira”, detalha o delegado.
O encontro das duas teria ocorrido no Derby, região central do Recife, de onde ambas seguiram de ônibus para Maria Farinha. “A outra envolvida, que aparece agredindo a vítima no vídeo, descobriu essas mensagens, seguiu as duas e quando elas estavam no local foram surpreendidas e começaram as agressões”, afirma Muniz. O delegado acredita que o crime não foi premeditado.
As adolescentes responsáveis pelas agressões já tinham passagem pela polícia por atos infracionais análogos a roubo e tentativa de assassinato. Desta vez, elas foram autuadas por atos análogos a homicídio duplamente qualificado, por meio cruel e sem possibilidade de defesa da vítima. “Os elementos que tenho em mãos não indicam feminicídio, mas, ao longo da investigação, isso pode mudar”, disse Muniz.
Após serem apresentadas ao Ministério Público e ao Judiciário, as adolescentes tiveram a internação provisória decretada e foram transferidas para um Centro de Internação Provisória (Cenip) da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase). Ambas serão mantidas em alojamentos separados. Elas poderão permanecer no local por até 45 dias à espera da sentença da Justiça.
Compartilhamento de imagens
O vídeo em que a adolescente Raíssa Sotero Rezende, 14, aparece sendo agredida e assassinada foi amplamente compartilhado em redes sociais horas após o crime. O pai da vítima ficou sabendo da morte ao visualizar as imagens em uma lanchonete. O que muita gente não sabe é que a prática de compartilhar esse tipo de imagem é crime previsto no artigo 212 do Código Penal Brasileiro.
Quem faz imagens, compartilha ou ajuda a divulgar essas fotos e vídeos pode responder por vilipêndio de cadáver – exposição e desrespeito à vítima. A pena varia de um a três meses de detenção e multa. Esse tipo de crime pode envolver qualquer pessoa, até mesmo familiares das vítimas. Basta que alguém, parente ou amigo, sinta-se ofendido com a divulgação das imagens e procure a polícia para registrar um boletim de ocorrência.
O delegado Álvaro Muniz afirmou que, neste momento, o foco da polícia está direcionado ao esclarecimento das circunstâncias e motivações do homicídio, mas que, caso algum familiar da vítima se queixar sobre o compartilhamento do vídeo, um inquérito poderá ser aberto para investigar como as imagens se tornaram públicas. “As adolescentes foram contidas por populares até a chegada da Polícia Militar, então, num primeiro momento não sabemos afirmar se foram elas mesmas que compartilharam ou algum desconhecido”, disse o delegado.