Os casos alarmantes de pessoas sendo mortas por supostamente fazerem gestos que remetem a facções criminosas têm sido um dos assuntos mais urgentes para as autoridades de segurança pública. Na Bahia, ao menos quatro ocorrências desse tipo foram registradas entre outubro do ano passado e janeiro de deste ano.

O problema é ainda mais complexo ao se perceber que esses acontecimentos não são isolados. Recentemente, outros estados como Ceará, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Paraíba também registraram mortes violentas motivadas por supostos sinais de facções. Entre os gestos mais associados aos grupos criminosos estão os símbolos dos números 2 e 3, considerados “inimigos mortais” no submundo do crime. Enquanto o 3 faz apologia ao Primeiro Comando da Capital (PCC), o 2 é relacionado ao Comando Vermelho (CV).

A disputa por território entre essas duas grandes organizações criminosas tem vitimado pessoas inocentes e levado o país a um cenário de insegurança crescente. Em entrevista ao BNEWS, o policial federal e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Roberto Uchôa, destacou que esses crimes bárbaros refletem o esgotamento do poder público no combate ao crime organizado.

“O que eu tenho visto e que tem me preocupado muito é que isso são sintomas de que os governos não conseguem dar, definitivamente, uma resposta mínima no combate ao crime organizado. É um sinal de que podemos estar muito próximos de uma falência do Estado na questão da segurança pública. Onde isso vai parar? Essa quantidade de mortes, esses confrontos, essa demonstração de não temer as forças policiais é um recado claro, tanto para as organizações criminosas rivais quanto para o poder público”, afirmou Uchôa.
Sobre os códigos, símbolos e gestos associados às facções, Uchôa destacou que a multiplicidade de organizações criminosas no Brasil torna complexo identificar padrões ou correlacionar sinais específicos à criminalidade.

“No Brasil, temos 84 organizações criminosas. Imagine uma pessoa de Santos (SP) que vai passear no Nordeste. Ela terá que fazer um curso para saber sobre as facções? Isso é surreal. Hoje, os criminosos não têm medo, mesmo com o aumento da letalidade policial. O que realmente impõe medo é aumentar os índices de investigação e manter esses criminosos violentos presos. Mas isso é algo que não conseguimos fazer. No Brasil, apenas 20% dos homicídios são resolvidos, na melhor das hipóteses. Estamos falando de 40 mil homicídios por ano, dos quais apenas 8 mil resultam em condenações, enquanto 32 mil ficam impunes todos os anos.”
Uchôa também apontou que o aumento de crimes violentos relacionados a esses sinais pode estar ligado à expansão do PCC e do CV. Assim como impõem regras em comunidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, essas organizações podem estar replicando essa prática em outros estados.

“No Rio de Janeiro, pessoas eram mortas simplesmente por viverem em comunidades dominadas por facções rivais. Isso pode estar sendo replicado por todo o país, incluindo a Bahia. A expansão dessas organizações criminosas do Sudeste, principalmente o Comando Vermelho e o PCC, é alarmante. Elas já não podem ser consideradas apenas facções; são organizações transnacionais que controlam desde a produção até a entrega de cocaína em outros continentes. Ao se aliarem a grupos locais, elas disputam mercados, rotas de tráfico de drogas e armas, além do controle de territórios. Esse modo de operar está, provavelmente, se espalhando pelo Brasil.”

Nesta quarta-feira (22), o portal publica mais um trecho da entrevista com o policial federal Roberto Uchôa, abordando estratégias e desafios no enfrentamento ao crime organizado.