“Olha o sonho do tamanho de um coco, com meio quilo de goiabada dentro”. A frase – e o cheiro – ficaram famosos dentro dos ônibus de Salvador.
A “iguaria da Rua da Glória de Periperi”, que na verdade é produzida na Rua Antártica, virou febre nos coletivos e ajuda a movimentar a economia ambulante da capital.
A fabricação em série dos sonhos surgiu a partir da necessidade de complementar renda, em meio à crise financeira. A responsável por fazer os quitutes é Cida Araújo, que lembra do momento em que decidiu aumentar a produção modesta que tinha na cozinha de casa.
“Uma amiga estava precisando trabalhar, me falou do problema dela e pediu para que eu aumentasse um pouquinho a produção, para ela levar uma quantidade para vender – porque eu vendia só no varejo, não vendia atacado. Só que a gente não estava acreditando que ia dar tão certo na rua. No primeiro dia, ela saiu com uma quantidade pequena e vendeu rapidinho”.
“Ela começou a falar com o pessoal que conhecia. Aí começou a vir gente para comprar e revender. Ela trazia um, trazia outro, e foi aumentando, aumentando e quando eu vi, já estava com a fábrica”.
Cida passou quatro anos fazendo e vendendo os sonhos em quantidades pequenas, antes da expansão. Na época, tinha apenas um funcionário. Com o aumento da demanda de produção, ela conta que precisou aumentar também o quadro de empregados.
“Depois desses quatro anos, quando aumentou a quantidade de trabalho, eu precisei contratar mais gente. Fabricando nesse ritmo, eu tenho dois anos e meio, no máximo. Eu tenho 15 funcionários, fora eu, meu filho e minha nora. Nós três trabalhamos juntos, igual aos funcionários contratados. Ao todo, são 18 pessoas”, detalhou ela.
Hoje, Cida abre a fábrica às 3h30 para esperar a chegada dos funcionários às 5h. No começo, os vendedores ambulantes que buscavam os sonhos chegavam na madrugada ao local.
“Logo quando a gente começou a vender no atacado, eles dormiam aqui fora para serem os primeiros. Aí como eles estavam dormindo na rua, debaixo de chuva, eu me incomodava com isso. E também incomodava muito os vizinhos, porque muita gente faz barulho. Aí eles pediram para fazer uma lista com o nome das pessoas que dormiam, que a gente chama de lista dos veteranos”.
Com fechamento às 18h, a fábrica começa a produzir primeiro os sonhos dos 30 veteranos, e depois passa a fazer os dos vendedores seguintes, que são muitos. Tantos que Cida não sabe precisar quantos quitutes faz por dia.
“Tem dias que a gente produz mais, tem dias que a gente produz menos. Porque eles também cansam um pouco, não é? Aí tem dias que não vem todo mundo. Mas também quando vem todo mundo, são muitos”.
“Tem gente que pega 150, 200 peças. Eu tenho um cliente que pega 530 sonhos. A gente anota o pedido dele todo dia, é isso aí. Estamos cada um fazendo a sua parte”.
O segredo da popularidade? Cida coloca na conta dos vendedores. Modesta, a cozinheira apenas pontua a qualidade do produto que faz.
“Eu acho que quem ajudou a popularizar foram os vendedores mesmo, boca a boca. Eles mesmos fizeram a expansão do produto. Eu nunca fiz nada no sentido de investir em propaganda, se eu disser que fiz isso, estou mentindo. Não gastei nada, mas está assim. Eles mesmos ficam lá no ônibus, gritam, dizem que o sonho é o melhor, e o pessoal vai comendo e vai gostando. Além da qualidade do produto, não é? Porque a gente tenta não deixar cair a qualidade de forma nenhuma”, disse.
Vendas
Bombeiro civil desempregado, Jorge Souza vende os sonhos nos coletivos da capital baiana .
Desempregado há um ano, foi no boca a boca que o bombeiro civil Jorge Souza chegou à fábrica de sonhos. Ele resolveu montar uma guia de vendas nos coletivos de Salvador.
“Fiquei pensando no que seria mais aceito. Porque a gente vê picolé, água, que é o que mais vende. Aí eu pensei: ‘Eu tenho que procurar uma coisa que não tenha tanta concorrência e que tenha uma boa saída. Aí eu tive a ideia do sonho. Por coincidência eu fazia um curso e nessa turma tinha uma colega vizinha aqui do bairro. Ela falou que ia procurar saber sobre a fábrica aqui de Periperi e me deu essa informação. Aí eu vim parar aqui”, lembra Jorge.
Para fugir do movimento na Avenida Suburbana, onde os sonhos são mais comercializados pelos vendedores que também compram na fábrica de Cida, Jorge recorreu à região da Calçada.
“Como minha caixa [onde leva os sonhos] é grande, eu procurei um lugar mais distante para trabalhar, para não me bater [encontrar] com os colegas. Eu geralmente fico mais entre a Calçada e Ribeira. Algumas vezes eu pego a [Avenida] Paralela e o Centro da cidade. Mas normalmente eu dou prioridade ao lado de cá [Cidade baixa], para ficar mais próximo de casa”, ponderou.
Por dia, Jorge vende cerca de 120 sonhos. A única dificuldade que encontra é o acesso aos transportes coletivos,
“Tem dias que acontece de não vender nada, tem dias que vendo 20, 30 peças em uma subida [no coletivo]. Já cheguei a vender em torno de 50 peças em um ônibus só. Mas isso já no finalzinho da tarde, quando o pessoal está voltando para casa, é o melhor horário”, detalhou Jorge.
“A venda é bem fácil, não tem dificuldade. A dificuldade é só o acesso aos ônibus, porque alguns ônibus o motorista ainda restringe. Mas a maioria nos leva tranquilamente. E o produto é bem aceito”, pontua Jorge.
Assim como Cida garante a qualidade do quitute, Jorge considera que a fama do produto faz jus ao sabor.
“Esse sonho é um produto bem aceito. Ainda mais quando a gente comenta que é da rua da Glória, da fábrica de sonho, ele se torna mais conhecido. O pessoal já conhece. Eu mesmo costumo falar que nossa massa é diferenciada, que o sabor é inconfundível. Muita gente já conhece porque tem outras pessoas trabalhando e produzindo. A qualidade é muito boa e traz aceitação do pessoal”.
G1 Bahia.