Grupo também aponta riscos de ‘efeito bumerangue’ com interiorização da doença, quando pacientes podem ser transferidos para capitais que já controlaram o crescimento de casos.
O Comitê Científico do Consórcio Nordeste sugeriu que as prefeituras de Salvador, Feira de Santana, Itabuna e Teixeira de Freitas adotem o lockdown, com suspensão de atividades econômicas e restrição de circulação da população por locais públicos, para conter a propagação da Covid-19.
Na manhã desta sexta-feira (3), os cientistas Miguel Nicolelis e Sérgio Rezende, que compõem o Comitê Científico, concederam coletiva virtual e explicaram os detalhes de boletim sobre a evolução do coronavírus nos nove estados que compõem a região. Nicolelis afirmou que foi identificado um crescimento no número de casos em Salvador, o que, em conjunto com a taxa de ocupação de leitos de UTI para pacientes com a Covid-19, deixa o alerta vermelho ligado.
“Basicamente estudamos Salvador por mais de um mês, seguindo a curva de infectados e a velocidade da ampliação de casos e de óbitos na cidade, assim como a variação da ocupação dos leitos de UTI. Tivemos várias oscilações, as vezes subia para 86%, descia para 80%, caía mais um pouco. Foi se consolidando em torno de 80%, e vimos pela análise contínua que havia uma aceleração de casos e uma dinâmica que mostra que pode aumentar. Fizemos essa recomendação pela primeira vez, essa sugestão para Salvador. Temos crescimento de velocidade no boletim, e vimos que Salvador deu uma guinada para cima, a ponto de ter encontrado a curva de Fortaleza, que está em descendente”, afirmou Nicolelis.
“O número de casos de Fortaleza era bem maior, mas graças ao lockdown eficiente, houve desaceleração. Salvador está indo em direção oposta, os casos duplicam, em média, a cada 16 dias. Recife desacelerou muito mais, São Luís ainda mais, está dobrando a cada 22, 23 dias. Vimos que a curva de Salvador está em momento crítico. Por isso o aviso nesse momento”, completou o cientista.
Em entrevista coletiva concedida nesta manhã, o prefeito da capital baiana, ACM Neto, informou que não teve acesso ao estudo do Consórcio Nordeste, mas ponderou que não há motivos para a adoção de um lockdown.
“Não considero essa recomendação como algo que deva gerar preocupação nessa cidade. As decisões da prefeitura têm sido tomadas por parâmetros científicos e técnicos. Se fizermos abertura antecipada, como eu disse ontem, poderemos explodir o número de casos. Mas o lockdown não depende de uma decisão exclusivamente da prefeitura, a palavra não é minha, a palavra final é do governo do estado. Mas não vejo motivos para lockdown e discordo dessa recomendação”, afirmou o prefeito.
Segundo o estudo do Comitê Cientifico, a estratégia adotada pela prefeitura de promover medidas restritivas mais rigorosas em bairros da capital baiana já não surte o efeito esperado para evitar o crescimento de casos de coronavírus. Atualmente, a lista de áreas sob ação da gestão municipal inclui Pau da Lima, Coutos, Fazenda Coutos, Beiru/Tancredo Neves, Cabula, Cabula VI, Resgate, Imbuí, São Cristóvão, Santa Cruz, Pernambués, Saramandaia e Centro.
“Parece evidente que a abordagem de bloqueio seletivo de bairros da cidade, apesar de ter produzido uma desaceleração, não surtiu o efeito desejado de trazer a taxa de crescimento de casos de coronavírus a níveis decrescentes. Dado que a rede hospitalar de Salvador tem uma taxa de ocupação extremamente alta, este comitê julga como recomendável sugerir a instalação de um estado de lockdown na capital do estado da Bahia, nos moldes do que já foi realizado, com bons resultados, nas cidades de São Luís (MA) e Fortaleza (CE)”, pontua o estudo.
Conforme dados do último boletim da Secretaria de Saúde do estado (Sesab), Salvador possui 35.837 casos confirmados de coronavírus, com 1.209 mortes em decorrência da doença.
Interiorização da Covid-19 e efeito bumerangue
O boletim aponta também a interiorização da doença, com crescimento de casos longe da capital baiana. Hoje, o número de registros da Covid-19 em Salvador representa 46% do total do estado, contra quase 54% das cidades do interior. Há poucos dias, o quadro estava invertido.
“Um enorme crescimento de casos por todo o estado, representado pelas cidades de Feira de Santana (1.929 casos novos, ou 191% de crescimento em 14 dias), Teixeira de Freitas (128% de crescimento, região sul), Vitória da Conquista (78%, região sul), Barreiras (104%, extremo oeste) e Juazeiro (229%, região norte) indica que a pandemia claramente se enraizou em toda a Bahia”, aponta o estudo.
Das três cidades citadas pelo estudo, Feira de Santana possui a maior incidência da doença, com 3.578 casos confirmados. Em Itabuna são 2.754 contaminados. Já Teixeira de Freitas registra acumula 1.395 infectados.
No município de Itabuna, o comércio seria reaberto nesta semana, mas a flexibilização foi adiada para o próximo dia 9. O prefeito do município se envolveu em polêmica nos últimos dias ao afirmar que promoveria a reabertura das atividades comerciais “morra quem morrer”. A declaração foi criticada por Sérgio Rezende durante a coletiva.
“Não há muito o que fazer em reação ao que o prefeito disse. Infelizmente nessa questão da pandemia, temos certos posicionamentos que me lembram posicionamentos religiosos. Não é privilégio do Brasil. Em outros países, desde o começo da pandemia, os governantes não acreditaram que o vírus pudesse trazer tantas mortes. Não tiveram o posicionamento em favor do confinamento, do uso de máscaras, de não minimizar o poder da doença. O que podemos fazer é divulgar que o prefeito está errado. Estamos convencidos disso e será provado naturalmente. O número de casos em Itabuna trará prejuízos maiores que a reabertura do comércio”, pontuou.
Durante a coletiva, os cientistas avaliaram a evolução da doença nas cidades do interior do estado e as medidas que podem ser adotadas. Entre as possíveis formas de combater a doença está a promoção de barreiras sanitárias nas principais rodovias que cortam o estado.
“As indicações de lockdown em Feira de Santana, Itabuna e Teixeira de Freitas são feitas pela sobrecarga no sistema de saúde e pelo crescente de casos. A gente notou um fluxo grande por causa dos eixos rodoviários. Um aumento muito grande, Feira é um caso típico disso. Existe a necessidade de barrar essa transmissão do vírus. O isolamento social caiu muito, e a sobrecarga no sistema de saúde aumentou nessas cidades”, informou Nicolelis durante a coletiva.
O Comitê Científico sugere a montagem de barreiras sanitárias nos dois sentidos da BR-324, entre Salvador e Feira de Santana, e também na BR-101, que faz a ligação entre o litoral norte e a região sul do estado. Outra recomendação é pelo rodízio de veículos de passeio, com impedimento de que automóveis trafeguem pela região em determinados horários ou dias da semana.
“A barragem desse fenômeno se dá pelo controle do fluxo das capitais para o interior. Vários estados como Bahia, Paraíba, Piauí, Maranhão, criaram barreiras. Ocorre que elas foram feitas para testar, diminuir o fluxo, em automóveis e nos caminhões. Mas não fizemos no Brasil o que foi feito na China, na Alemanha, em certos lugares da Inglaterra, que foi criar rodízio de carros particulares. Isso é feito há muitos anos em São Paulo. A proibição do fluxo por algumas horas, ou por um dia da semana em regiões de alto risco. Isso foi feito com grande sucesso na China. O fluxo foi proibido em Wuhan”.
Segundo o boletim, a interiorização da Covid-19 tem potencial para provocar um “efeito bumerangue” , que seria o movimento de pacientes do interior que foram diagnosticados com a doença para buscar atendimento em Salvador, o que acarretaria na manutenção de uma taxa de ocupação de leitos elevada.
“O efeito bumerangue é o que nos preocupa. Basicamente ao fato de que os casos do interior começam a voltar pra a capital. Diante disso, temos um grande número de casos internados da UTI que vieram do interior. A gente basicamente tem a preocupação que a onda de casos do interior tenha um efeito importante nas capitais”, explicou Nicolelis.
A Bahia possui, de acordo com dados da Sesab, 79.349 casos confirmados de coronavírus, com 1.947 mortes em decorrência da doença.
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