Em uma farmácia no bairro da Pituba, funcionários desconfiam quando um casal, em horário de pico, pede mais de três caixas de Ozempic. O remédio para tratar diabetes, mas que se popularizou pela ação emagrecedora, é o objeto de cobiça da vez para ladrões em Salvador.
Para roubar as caixas, que custam até R$ 1 mil cada, eles aplicam golpes, como o uso de CPFs falsos e cartões clonados, ou recorrem ao furto.
Desde o início do ano, a drogaria na Avenida Manoel Dias teve cinco baixas no estoque de Ozempic, o remédio mais procurado por clientes do local, depois dos tarja-preta contra a ansiedade e para dormir. O prejuízo, nesse intervalo, chega a R$ 10 mil. A última das ocorrências, todas registradas em boletim policial, aconteceu em uma tarde do início de maio.
Naquele dia, um casal pediu quatro caixas do remédio ao balconista. O funcionário estranhou, ciente do modus operandi dos criminosos, mas os dois tinham o CPF necessário para levar as caixas, que podem ser compradas sem prescrição médica.
Só à noite, quando é realizado o balanço financeiro, os funcionários perceberam o golpe: uma das caixas foi roubada e três não foram pagas, devido ao uso de cartão de crédito clonado.
“Eles compram com CPF falso e cartões clonados. O dono do cartão cancela a compra, quando é avisado de uma movimentação suspeita, e depois vemos que há uma falta no caixa”, detalha uma farmacêutica da drogaria, sob condição de anonimato.
“No horário mais movimentado”, justifica ela, “eles acham mais fácil também confundir o balconista, pedir uma quantidade grande de medicamentos, e conseguir levar alguma delas sem usar nem cartão”.
A poucos metros dali, na Rua Amazonas, o furto mais recente de Ozempic aconteceu no fim de maio. Um homem e uma mulher pediram duas caixas do remédio, mas não chegaram a utilizar um cartão clonado. “Dessa vez, eles chegaram como clientes comuns, e no caixa, fugiram”, relata um balconista.
A Polícia Civil, embora tenha registrado crimes do tipo, informou não ter estatísticas específicas sobre ladrões de ozempic ou número de furtos e roubos em farmácias. Mas a informação chegou ao Sindicato de Farmacêuticos da Bahia (Sindifarma) e ao Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos da Bahia (Sicofarba).
“Na verdade, roubo de medicamentos sempre existiu, sobretudo relacionado a medicamentos que chamamos de alto custo. São ocorrências que mudam conforme o medicamento hypado da época, ou seja, o da moda, o famoso”, exemplifica Gibran Sousa, diretor do Sindifarma.
“E o Ozempic é um medicamento de alto custo, e que também é muito falado, desejado, porque promete resultados rápidos e impressionantes e por isso tem essa demanda toda, inclusive pela ilegalidade”, destaca.
Golpe do delivery é usado por criminosos
“Existe uma quadrilha de Ozempic que age no Brasil há mais ou menos um ano e isso já está se manifestando em Salvador por meio de golpes”, afirma um farmacêutico de outra farmácia, localizada na Avenida Paralela, que também pediu para não ser identificado.
As ocorrências às quais ele se refere estavam concentradas, até então, em estados como Espírito Santo e São Paulo, onde há registro de assaltos a mão armada para abastecimento do mercado ilegal do remédio para emagrecer.
Em menos de um dia, a rede de drogaria onde o farmacêutico atua, em Salvador, sofreu dois golpes — um foi bem-sucedido e aconteceu em outra unidade, mas o segundo foi percebido a tempo.
Na primeira vez, há três meses, os bandidos pediram, online, duas caixas de ozempic, que seriam entregues por delivery e pagas por meio de um link gerado pela farmácia e enviado por whatsapp.
“Aí eles utilizaram o cartão clonado”, explica. No dia seguinte, ladrões — não se sabe se os mesmos da tarde anterior — pediram outras oito caixas de ozempic, dessa vez na filial onde ele trabalha. “Foi questionado o interesse por tantas caixas e o golpe não se concretizou”, detalha o farmacêutico.
A desconfiança é que os medicamentos abasteçam farmácias clandestinas ou sejam vendidos entre pessoas físicas. Em Salvador, segundo o Conselho Regional de Farmacêuticos (CRF), há ao menos 96 drogarias irregulares em operação. O CRF, por meio do presidente Mário Martinelli, afirma desconhecer ocorrências de roubo de ozempic.
A Associação Brasileira das Redes de Farmácias (Abafrarma) afirma não ter “elementos para falar sobre o tema” não está se posicionando, nem “ingerência sobre práticas de segurança das farmácias”.
Farmácias trancam as portas no final de semana
Para evitar roubos a farmácias, até os funcionários, às vezes à revelia dos donos, tomam atitudes. Na Rua da Graça, uma farmácia permanece de portas fechadas aos finais de semana. “Se vem cliente a gente abre, porque sentimos medo”, conta uma balconista.
O receio é de assaltos a mão armada e furtos, mas também da intimidação para a entrega de produtos — não só medicamentos, já que as farmácias lembram, cada vez mais, mercadinhos. “Acontece quase todo dia. Clientes sentem medo e se falamos algo somos ameaçados. Dizem que nos pegam lá fora”, continua a funcionária.
Os produtos mais cobiçados, por criminosos ou quem age na base da intimidação, são desodorantes e leite em pó, segundo farmacêuticos e balconistas, pela facilidade de revenda.
“Não me sinto seguro e estamos fechando as portas também aos finais de semana”, conta o atendente de outra farmácia na Graça que, junto aos vizinhos Vitória, Barra e Canela, reúne 32 farmácias.
“Não temos muito o que fazer, talvez uma ronda fixa da polícia ajudasse”, palpita ele — as rondas de segurança privada já fazem parte da rotina. A Polícia Militar (PM) afirma atuar “preventivamente ou por acionamento, e que realiza rondas diuturnamente” no bairro.